O poder do não nas finanças pessoais. Antes de mais nada, é justo que o leitor saiba que esse texto foi escrito por alguém que não tem a menor noção do que está falando. Desculpe, sou de humanas. Passei toda a vida escolar contando os dias para entrar na universidade e nunca mais ver um número pela frente. Mas como qualquer professor de matemática que já tive na vida poderia prever, errei as contas.
A realidade dos números: inegáveis e implacáveis
Os números, como a morte e os impostos, são inevitáveis. E assim como os outros dois, bem sacanas. Nos primeiros semestres de faculdade eles sumiram da minha vida, e respirei aliviada. Mas bastou conseguir meu primeiro emprego formal, no pré-histórico ano de 1994, e os safados voltaram da maneira mais sádica possível: assinados na carteira de trabalho em URV. URV, leitor! Uma unidade de valor que nem moeda é. Se a intenção do FHC e sua equipe era fazer uma transição econômica suave, não funcionou comigo. Foi um choque de realidade saber que ia precisar de calculadora para converter até a primeira cerveja comprada com meu próprio salário.
A primeira experiência financeira: entre a poupança e a Europa
Mas nem tudo foi trauma nessa época: talvez resignada com a presença da calculadora em minha vida, comecei a poupar para dar entrada num carro. Um ano antes, o governo Itamar havia lançado um programa para popularizar a compra de automóveis no Brasil, e eu estava tão empolgada que já olhava com desdém para o ônibus da linha 8901 que me carregou por toda a adolescência.
Já tinha umas 4 mil unidades reais de valor na poupança quando meu pai, um bancário velho de guerra e escoladíssimo em planos econômicos, me deu o conselho: “filha, carro sempre vai ter pra comprar. Dólar a 0,98 centavos no Brasil, nunca mais. Pega esse dinheiro e vai viajar.”. Pouco tempo depois embarcava pela primeira vez para a Europa. Voltei direto para o assento duro do 8901 e só fui ter meu carrinho dois anos mais tarde. Mas ficar solta em Paris, aos 22 anos… mon Dieu, que investimento.
Educação financeira: entre desejos e tropeços
Queria muito edificar essa história falando que a partir daí entendi a importância da educação financeira e aprendi a avaliar investimentos, calcular riscos, aproveitar oportunidades, conversar com gerentes de banco sem parecer uma presa fácil. Quem me dera. Errei tantas vezes depois que é um milagre estar aqui nesse livro, e não na lista premium do SPC. Perdi mais de 8 anos de contribuição para o INSS por não saber que poderia pagar como autônoma.
Fiz plano de previdência sem saber que 30% do valor era seguro de vida – e nem filhos eu tinha nessa época. Investi (sic) em título de capitalização sem saber que era título de capitalização, apenas porque tinha outro nome e o gerente jurou que não era. Comprei carro 0km por causa do cheirinho. E cometi o mais básico dos erros, desses que fazem alguém morrer de vergonha e ainda ganhar o Prêmio Darwin*: emprestei meu nome para um ex-amigo compor sociedade em uma empresa, sem nunca ter sequer colocado os pés lá dentro. Precisei enfrentar uma causa trabalhista, movida por alguém que nunca vi na vida, para aprender o óbvio: a dizer não.
O poder do “não” nas finanças pessoais
Estou cada vez mais certa, inclusive, de que o “não” é a grande arma de quem tem uma relação meio difícil com os números. Não saca nada de bitcoin? Não compre. Você não conhece a empresa? Não contrate antes de pesquisar. Você não entendeu o prospecto? Não invista até conversar com alguém que entenda e em quem você confie. Querem você no contrato, mas não no negócio? Pelamordedeus, não.
Conclusão: o valor de parar de perder
O não parece inação, mas é cautela. É o tempo que nós, ignorantes financeiros, precisamos para pesquisar, comparar, ouvir especialistas de confiança e aí sim decidir. Não é que eu tenha ficado mais rica quando adotei o não cautelar em minha vida. Eu só parei de perder dinheiro fazendo burrice.
Sei lá. Pensando bem, acho que é o que meu pai quis me ensinar finanças pessoais quando me convenceu a não comprar o Fusca do Itamar.