
Como uma boa Gen Z, tudo que eu vejo nas redes sociais acho que tem a ver comigo. E a última da vez foi uma tal de dismorfia financeira, vi o conceito em um post, pensei “sou eu” e já quis fazer terapia de planilha pra ver se melhorava meu bem estar. Depois fui estudar melhor e percebi que o surto não é só meu, tem muito millennial aí no mesmo barco furado.
E aí resolvi trazer o assunto pra cá. Afinal, a maioria das crises que nós temos com dinheiro tem uma resposta simples: educação financeira. E eu não estou falando de planilha de planejamento pessoal e simuladores. Hoje em dia, falar de educação financeira envolve falar de comportamento, cultura e, principalmente, hábitos de consumo. A nossa relação com dinheiro está intimamente ligada a como a gente se compara e se mede a partir do que os outros mostram.
O que é dismorfia financeira?

A expressão nasceu em um artigo do The New York Times e já circula por aí como diagnóstico da geração das dívidas parceladas. Basicamente, é quando a sua percepção sobre a sua situação financeira não bate com a realidade, afetando o seu bem estar. Um paralelo direto com a dismorfia corporal: você olha no espelho e não vê o que está lá, se acha magro demais ou gordo demais se comparada aos outros corpos que vê.
Com o dinheiro, é parecido. Enquanto todo mundo posta a viagem dos sonhos, o carro importado e a bolsa impossível, você acha que tem mais (ou menos) grana do que realmente tem. A comparação vira um vício. E esse espelho distorcido funciona pros dois lados: tem quem ache que está tranquilo, mas estoura a fatura do cartão todo mês, e tem quem está no azul, com sobra, mas vive na paranoia de que o cofre está vazio.
O dinheiro que não é real
Parte da confusão está no fato de que o dinheiro deixou de ser palpável. Antes, era nota na mão: você via, contava, entregava e sentia a perda. Hoje, basta encostar o celular. Um clique, um “aproxima e foi”. A relação virou tão digital que a sensação de gastar também desapareceu.
Nesse cenário, disciplina financeira parece artigo de luxo. E a gente, sem perceber, trata saldo bancário como número de curtidas: olha, atualiza, torce pra aumentar, mas não entende muito bem de onde vem nem pra onde vai.
Like, crédito, próximo
Em tempos de alta inadimplência entre os jovens, nunca se vendeu tanto um estilo de vida de champagne e business class. Roupas de marca, restaurantes de alta gastronomia e viagens para o exterior viraram sinônimos de sucesso. Pouco importa quanto você ganha, se dá pra bancar na parcela, você está dentro do jogo.
Mas jogar a culpa só no Instagram é simplista, o buraco é mais fundo. O acesso fácil ao crédito e o incentivo constante ao consumo também alimentam esse ciclo. O problema não é só ver a vida perfeita dos outros. É o quão fácil ficou tentar imitar e promover um bem estar que, muitas vezes, não é real.
Como saber se eu tenho dismorfia financeira?
Ela aparece quando o que você acha sobre o seu bolso não tem nada a ver com o que está realmente lá. Um clássico é abrir o aplicativo do banco e sentir a mesma emoção que abrir mensagem do ex: ansiedade, medo e uma pontinha de esperança de que não esteja tão ruim assim.
Se pergunte: já deixou de ir a um rolê porque sentiu que “não estava no nível” do ambiente? Já abriu o Instagram e saiu com a sensação de que todo mundo está dez passos à sua frente, mais bonito, mais viajado e, claro, mais rico? Pois é, os sintomas estão aí.
A dismorfia financeira se revela nesses detalhes incômodos do dia a dia, acabando com seu bem estar. É acreditar que seu valor está atrelado ao extrato bancário. É, ironicamente, esquecer de viver o presente na ansiedade pelo futuro. E por fim, a necessidade de manter um “padrão de vida” que nem você sabe exatamente de onde surgiu.
A dismorfia financeira não é só sobre números, é sobre identidade, pertencimento e a eterna sensação de que nunca é o suficiente. E justamente por isso, cuidar das finanças vai muito além de planilhas, é um processo de autoconhecimento e construção de equilíbrio.
5 passos para um bem estar financeiro
Antes de tudo, é preciso entender a situação em que você se encontra e reconhecer os seus padrões financeiros negativos. Mas também fique atento aos sinais:
1.Identifique os gatilhos mentais
Dinheiro raramente é só sobre dinheiro, muitas vezes é sobre emoção. Aquele “comprei porque estava triste” ou o “mereço esse mimo” pode parecer inocente, mas já é um sinal de alerta.
2.Monitore os pensamentos sobre dinheiro
Nosso cérebro adora exagerar. Um dia você pensa que merece tudo, no outro tem certeza de que nunca terá o suficiente. Esse looping mental cria distorções que afetam o bolso.
3.Reconheça a comparação social
O clássico veneno moderno: se medir pela régua dos outros. E, claro, nada mais traiçoeiro do que usar as redes sociais como espelho. A comparação é injusta desde o início, porque você nunca vê a conta bancária por trás da foto.
4.Busque educação financeira
Planilha, orçamento, investimento, poupança não são soluções mágicas, mas carregam poder. Aprender sobre finanças é sobre ganhar autonomia e não se deixar levar tanto assim pelo impulso. O conhecimento não evita tentações, mas ajuda a não cair nelas de olhos fechados.
5.Consulte um profissional
Conversar com um planejador financeiro pode trazer clareza sobre os números, enquanto um psicólogo ajuda a entender o peso emocional que carregamos junto com o saldo. Aceitar apoio não é sinal de fraqueza, é a primeira prova de força.
Conclusão: no fim, a fatura é emocional
Talvez a tal da dismorfia financeira não seja só sobre gastar mais do que se ganha, nem sobre colecionar boletos parcelados em 12 vezes sem juros. É sobre a forma como a gente mede a própria vida pelo extrato alheio. Uma régua invisível, mas cruel, que nunca marca o suficiente.
E sim, falar de dinheiro continua sendo um tabu. A gente prefere exibir conquistas editadas em posts do que admitir inseguranças financeiras em voz alta. Mas enquanto fingimos que está tudo sob controle, a fatura chega e não dá pra parcelar saúde mental.
A boa notícia que eu tenho para nós é que dá pra desapertar esse nó. Educação financeira não é só planilha, é também terapia de comportamento, um olhar menos punitivo sobre si mesmo e a coragem de repensar hábitos que parecem inofensivos. E talvez o maior artigo de luxo da nossa geração seja justamente conseguir viver sem que a comparação nos engula.