Outro dia, vi uma notícia indicando que o salário dos brasileiros acaba em 3 dias. Fiquei surpresa e fui logo compartilhar com meus amigos.
“3 dias? O meu não dura nem 24 horas.”
“O meu salário esse mês foi de visualização única!”
Todo mundo riu, claro, porque é engraçado de um jeito triste. Mas essas e outras brincadeiras traduzem exatamente o que muitos brasileiros sentem: a sensação de ver o dinheiro cair na conta e sumir quase na mesma velocidade.
A notícia em questão divulgava uma pesquisa da fintech Klavi, que usa dados do Open Finance. Ela revelou que 35% dos brasileiros gastam todo dinheiro em até três dias após receber o salário. Desses, 18% ficam zerados em menos de 24 horas. Isso não significa necessariamente irresponsabilidade ou falta de planejamento, embora, em alguns casos, isso também pese.
Os dados escancaram algo mais profundo. Viver no limite virou rotina.

O que são gastos mensais, afinal?
Quando pensamos em “gastos mensais”, a primeira imagem que vem à mente são os boletos de sempre, aluguel, energia, internet, transporte. Esses são os chamados gastos fixos, aqueles que se repetem mês a mês e dificilmente podem ser cortados. Eles consomem boa parte da renda, especialmente de quem vive com um salário mínimo ou pouco acima disso.
Depois vêm os gastos variáveis, que mudam de mês para mês, um lanche fora, uma conta de farmácia inesperada, um presente de aniversário. O problema é que, quando todos esses custos se acumulam, o salário praticamente “evapora”. E o que sobra é a sensação de trabalhar o mês inteiro apenas para quitar o mês anterior.
Por que o dinheiro vai embora tão rápido?
Os números mostram o perrengue de quem vive com o salário já comprometido entre dívidas, boletos e os gastos básicos de todo mês. Além disso, o aumento do custo de vida faz com que o poder de compra caia, às vezes, mesmo quando o salário é reajustado.
O preço do gás, dos alimentos e dos aluguéis sobe, mas a renda nem sempre acompanha. Assim, o dinheiro que antes durava uma semana agora mal passa do fim de semana.
E há ainda outro vilão silencioso: o crédito fácil. Em um clique, o consumidor tem acesso a empréstimos e parcelamentos que prometem aliviar o bolso no curto prazo mas, na prática, só empurram o problema pra frente.
E como sair desse ciclo?
Sair do modo “salário de visualização única” não é simples, mas é possível com pequenas mudanças. O primeiro passo é entender para onde o dinheiro está indo. Fazer um controle financeiro, mesmo que básico, ajuda a enxergar os padrões de consumo e perceber onde é possível ajustar.
Mas o mais importante é repensar o uso do crédito. Parcelar tudo pode parecer um alívio momentâneo, mas na prática é o que faz o dinheiro desaparecer antes da hora. Priorizar o pagamento à vista, sempre que possível, é um passo essencial para retomar o controle.
E, por fim, é preciso falar sobre educação financeira, não como uma receita pronta, mas como um processo de autoconhecimento. Aprender sobre o próprio comportamento com o dinheiro é um ato de cuidado e, de certa forma, de resistência.
Como definir todos os gastos mensais?
Embora pareça simples, essa é uma das tarefas mais negligenciadas quando o assunto é finanças pessoais. Definir os gastos mensais é mais do que listar boletos, é criar um retrato fiel da sua vida financeira, incluindo aquilo que a gente costuma ignorar, como o café depois do almoço ou a assinatura esquecida de um streaming.
Uma boa forma de começar é dividir os gastos em três grandes grupos:
- Essenciais: tudo aquilo que é indispensável para viver (moradia, alimentação, transporte, contas básicas e saúde).
- Compromissos fixos: parcelas de empréstimos, mensalidades, assinaturas e outros pagamentos recorrentes que já comprometem parte da renda.
- Variáveis: despesas que mudam mês a mês, como lazer, roupas, delivery e pequenos desejos do cotidiano.
Ao organizar dessa forma, fica mais fácil perceber quais gastos são realmente necessários e quais podem ser ajustados ou até cortados. O ideal é fazer essa revisão todo mês. Afinal, o custo de vida muda, e o orçamento precisa acompanhar essa dinâmica.
Outra dica é usar aplicativos de controle financeiro ou planilhas simples. Eles ajudam a transformar o ato de “anotar gastos” em um hábito automático, sem aquele peso de parecer uma tarefa burocrática.
O importante é ter consciência sobre o fluxo do dinheiro, não controlar cada centavo com rigidez. Quando você define seus gastos mensais com clareza, o dinheiro deixa de ser um mistério que desaparece em três dias e começa a se tornar uma ferramenta de escolha.
Conclusão: não é só matemática
O “salário de visualização única” é mais do que uma piada pronta. É o reflexo de um país onde a renda mal cobre o básico e onde o dinheiro parece ter vida própria. Mas, ao mesmo tempo, essa expressão escancara o quanto precisamos repensar nossa relação com o consumo e o planejamento.
Nesse sentido, o crédito parcelado pode até parecer um alívio momentâneo, mas, na prática, ele só prende o consumidor em um ciclo de dependência. A possibilidade de dividir tudo em 10 vezes “sem juros” não elimina o problema, só adia pro mês seguinte.
Repensar essa relação com o consumo e com o crédito é urgente. Porque o problema não é só econômico Porque ver o salário sumir não é só uma questão matemática, é também emocional e social. Afinal, talvez o verdadeiro desafio não seja apenas ganhar mais. Mas fazer o dinheiro durar o suficiente para ser visto várias vezes.