
Em 2018, gravamos mais uma edição do programa Em Boa Companhia, da Rádio Inconfidência, e trouxemos dados sobre a educação financeira do brasileiro na época. Hoje, 7 anos depois, muita coisa mudou. Ou será que não?
Mais acesso à informação, ao crédito fácil. Integração da vida financeira com Open Finance, super apps de banco e carteiras de investimento acessíveis. E mesmo assim, a situação da educação financeira no Brasil continua trágica.
O que é educação financeira?
Pode-se dizer que a educação financeira é uma forma de conhecer e planejar receitas e despesas, evitando surpresas. E, principalmente, uma forma de construir sonhos e alcançar objetivos com o dinheiro.
A educação financeira ajuda a planejar e administrar dívidas e investimentos. Ela é a responsável por fazer você lidar com seu dinheiro de forma saudável.
De forma prática, é não gastar mais do que ganha, fazer sobrar no fim do mês, e investir esta sobra. Além disso, é entender a diferença entre poupar, guardar e investir e não se deixar atolar em dívidas. Por fim, é poder dormir à noite sabendo que o dinheiro não é mais uma dor de cabeça.
Dados sobre a educação financeira no Brasil
Segundo dados da 17ª edição da pesquisa Observatório Febraban, 55% dos brasileiros diz que entende pouco ou nada de educação financeira. E o resultado não surpreende, afinal segundo o mapa da inadimplência do Serasa de julho de 2025, 78,2 milhões de brasileiros estão inadimplentes, ou seja, 47,93% (em 2018 eram 36% de inadimplentes assumidos).
A pesquisa da Febraban também revelou que a maior parte da população utiliza algum tipo de empréstimo, com destaque para o cartão de crédito (66%). E em contrapartida, só 37% dos brasileiros fazem algum tipo de aplicação financeira.
Inadimplência x Dívidas
Quando tentamos entender a situação financeira do país, olhamos para dados como endividamento e inadimplência. E muita gente confunde, mas os dois conceitos não são sinônimos.
Estar endividado significa, simplesmente, ter compromissos financeiros assumidos, como um financiamento imobiliário ou até mesmo a fatura do cartão de crédito. Em outras palavras, toda pessoa que parcelou uma compra ou contraiu um crédito faz parte da estatística de endividados, mas isso não quer dizer que ela esteja em situação de risco.
Já a inadimplência acontece quando esses compromissos não são pagos dentro do prazo. É o atraso no pagamento que transforma uma dívida comum em uma pendência registrada, podendo gerar juros altos, multas e até restrições no CPF, o famoso nome sujo. Por isso, alguém pode estar endividado, mas não inadimplente, desde que mantenha seus pagamentos em dia.
Como anda a saúde financeira dos brasileiros?
O Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (ISF-B) também é elaborado pela Febraban. Ele leva em consideração questões como aperto financeiro, dificuldade para pagar as contas, pressão sobre o orçamento e a sobra no fim do mês.
Dados de 2024 mostraram que a média de pontuação dos brasileiros que participaram da pesquisa é de 56.7 em 100, o que se classificaria entre “baixa” e “OK”. Isso mostra que na maioria dos casos as pessoas apresentam os primeiros sinais de desequilíbrio e risco de estresse financeiro. E, no melhor dos casos, o equilíbrio financeiro está no limite. Ou seja, a situação não está nada boa.
Ainda sobre a pesquisa do Observatório, a grande maioria dos brasileiros (oito em cada dez) se diz atenta ao controle das finanças pessoais. Ou seja, mesmo que mais da metade declarem não entender de educação financeira, 75% afirmam acompanhar de perto seu orçamento.
Esse hábito de monitorar receitas e despesas já representa o primeiro passo rumo a uma relação mais saudável com o dinheiro. Mas aí entra uma reflexão: a galera acompanha as finanças, mas está com a situação financeira em apuros.
Seria como toda a tripulação de um navio assistindo ao naufrágio do próprio barco… e sem reagir? Esse paradoxo mostra que monitorar os gastos não é suficiente. Sem planejamento, disciplina e estratégias para investir e poupar, acompanhar o orçamento vira pouco mais do que um exercício de constatação da crise.
O fato é que a conta não fecha. Mas, quais outros fatores estão por trás de tudo isso?
Sobre descontrole financeiro e poupança
Aqui entram outros dois pontos importantíssimos na educação financeira. Tem caso de gente que recebe mais de 20 salários mínimos líquidos mensalmente para manter uma residência com apenas 3 adultos e vive pendurada em dívidas. Isso porque educação financeira também tem a ver com comportamento e disciplina.
Dados do Banco Central de 2017, época da gravação do programa, mostraram que menos de um terço da população conseguiu poupar algo. Hoje em dia, as coisas estão melhores. Seis em cada dez entrevistados pela Febraban (61%) afirmam ter o hábito de poupar ou investir quando possível.
Uns não poupam por não conseguir fazer sobrar. Outros, porque as dívidas consomem todo seu recurso. Ainda há quem viva um eterno carpe diem, sem se preocupar com o futuro. As redes sociais dão um toque especial nisso tudo. Promove-se um estilo de vida luxuoso e a comparação corrói toda a disciplina que nos resta.
O que os bancos têm a ver com o endividamento?
Comportamento, disciplina, endividamento, educação financeira… a lista de conceitos para entender a situação financeira do brasileiro é enorme. Mas não dá pra falar de saúde financeira sem considerar o mercado em que nos encontramos.
Bancos e financeiras oferecem crédito fácil e rápido, mas nem sempre deixam claro o custo real: juros, taxas e encargos podem transformar pequenas dívidas em grandes problemas. Cartões, cheque especial e empréstimos rápidos ajudam no curto prazo, mas, sem planejamento, tornam-se armadilhas.
E aí, entra uma questão de responsabilidade. Muitas vezes, as financeiras oferecem crédito sem avaliar de forma adequada a capacidade de pagamento do cliente ou sem fornecer orientação suficiente sobre riscos. O sistema financeiro, portanto, tem sim parte da “culpa”.
Lucrar com juros altos em um cenário de pouca educação financeira exige reflexão sobre ética e regulamentação. O acesso ao crédito é importante, mas deve vir acompanhado de orientação e consciência.
O que os bancos podem fazer para melhorar a situação financeira dos clientes?
A boa notícia é que o cenário está mudando. Muitos bancos e fintechs têm investido em programas de educação financeira, reconhecendo que clientes mais conscientes gastam melhor, evitam inadimplência e conseguem investir, beneficiando tanto o consumidor quanto a própria instituição.
Essas iniciativas incluem cursos online, workshops presenciais, materiais educativos, simuladores de orçamento e aplicativos que ajudam a controlar gastos e planejar investimentos. Algumas delas são Aprender Valor do Banco Central, a Santander Open Academy com cursos de educação financeira e o portal do Banco do Brasil voltado especificamente para o tema.
Onde encontrar mais informações sobre educação financeira?
Associar a falta de educação financeira no Brasil à falta de informação já não é válido há muito tempo. Se tem algo que acontece é justamente o contrário, o excesso de informação, deixando até complicado selecionar informação de qualidade do mero conteúdo feito para gerar clique.
Mas não precisa ser assim. Plataformas de especialistas como Educando seu Bolso e Meu Bolso em Dia, iniciativa da Febraban, fornecem conteúdo útil e descomplicado. Além disso, jogos de finanças pessoais, hashtags nas redes sociais, podcasts e influenciadores de finanças estão sempre disponíveis e acessíveis.
O que podemos aprender com isso?
Os dados formam um retrato da educação financeira no Brasil que traz lições valiosas. Em primeiro lugar, eles mostram que acesso à informação, crédito fácil e até ferramentas digitais sofisticadas, não são suficientes para transformar o comportamento das pessoas.
O efeito é até o contrário, com ofertas de crédito agressivas e um mapeamento meia-boca dos clientes, até o mais informado pode cair em armadilhas. Ou seja, a questão além de acesso, é também sobre cultura e disciplina no uso do dinheiro.
Além disso, controlar o orçamento, ainda que seja apenas um acompanhamento básico de receitas e despesas, já é um passo fundamental. O problema é parar por aí: sem transformar esse controle em planejamento de longo prazo, a roda da inadimplência continua girando.
Educação financeira não se mede apenas pelo quanto a pessoa ganha, mas pela forma como lida com esse recurso. Em tempos em que os indicadores de renda e desemprego estão nos melhores dos últimos tempos, a alta inadimplência pode ser explicada pela falta de educação financeira.
Por fim, a comparação social e o consumo por status são inimigos silenciosos da saúde financeira. A lição que fica é simples e dura: sem disciplina, sem planejamento e sem definir prioridades reais, mesmo quem tem acesso a crédito e informação continuará preso ao ciclo de dívida e ansiedade.
Conclusão: novos caminhos para educação financeira
A educação financeira no Brasil continua sendo um desafio enorme, mas não é um beco sem saída. Os dados mostram que, apesar das dificuldades, boa parte da população já deu o primeiro passo. O desafio agora é transformar esse hábito em consciência mais ampla e responsabilizar também quem faz a roda girar.
No fim das contas, educação financeira não é sobre números complexos ou investimentos sofisticados, mas sobre escolhas conscientes. É decidir abrir mão de excessos hoje para ter tranquilidade amanhã. Se cada brasileiro conseguir enxergar o dinheiro não como um problema, mas como um instrumento de realização, talvez possamos, enfim, mudar o cenário trágico que ainda nos acompanha.
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