Rodar pelas ruas como motorista de aplicativo já não é apenas uma renda extra para muita gente. Para milhares de trabalhadores, é a principal fonte de sustento da família. Ao mesmo tempo, muitos motoristas enfrentam um dilema: como conseguir crédito barato, sem juros abusivos, para investir no carro, cobrir despesas do dia a dia ou sair do sufoco?
Recentemente, o governo anunciou o que parece ser uma novidade: o empréstimo consignado CLT agora também serve para motoristas de aplicativo. A medida promete ampliar o acesso ao crédito, trazendo taxas de juros mais baixas. Mas será que é isso tudo mesmo?
O que é o consignado CLT e como ele funciona?
Primeiramente, o crédito consignado é uma modalidade de empréstimo em que as parcelas são descontadas automaticamente da fonte de renda (pode ser do salário, da aposentadoria, pensão etc). Essa forma de pagamento reduz o risco de inadimplência para os bancos e, por isso, costuma oferecer taxas de juros menores do que as de outros tipos de empréstimo.
Com o novo programa Crédito do Trabalhador, o funcionário pode solicitar e contratar o empréstimo por conta própria, direto da carteira de trabalho digital. Em julho de 2025, os bancos já movimentaram mais de R$21 bilhões em empréstimos, beneficiando mais de 3 milhões de trabalhadores.
E como ficam os motoristas de aplicativo?
Se o Crédito do Trabalhador é contratado pela carteira de trabalho, o que acontece com quem é autônomo, como os motoristas e entregadores de app? No fim de julho, o governo sancionou uma lei que abrangeu o programa para esses profissionais, mas as regras são bem diferentes.
O empréstimo para motorista de aplicativo diz seguir a mesma lógica do crédito consignado CLT. Isso porque, a Lei 15.179/2025 garante que “os trabalhadores autônomos que atuam no transporte remunerado privado individual de passageiros ou de coleta e entrega de bens poderão autorizar o desconto nos repasses a que têm direito pelos serviços oferecidos por intermédio de aplicativos.”
Em outras palavras, os motoristas de app autorizam que as parcelas do empréstimo sejam descontadas automaticamente da renda, desde que não ultrapassem 30%. A grande diferença em relação ao Consignado CLT é que, nesse caso, o desconto não ocorre pela folha de pagamento, mas sim pelos repasses dos apps como Uber, 99, Ifood e similares.
Além disso, o empréstimo precisa ser feito diretamente no banco e depende do convênio entre o app e a financeira. Ou seja, você pode até querer pegar um empréstimo, mas a Uber tem que querer também, deixando o trabalhador ainda dependente do seu empregador, como era praticado no consignado antigo.
Quem pode solicitar o crédito consignado para motoristas de app?
Pelas regras iniciais, o crédito está disponível para motoristas oficialmente cadastrados nas plataformas. Mas não adianta só ter feito o cadastro e rodar de vez em quando, é preciso comprovar atividade recente e mostrar um histórico de corridas ativas. Afinal, o banco quer ter certeza de que você não estacionou de vez.
Mas então o que muda?
A grande verdade é que o que estão chamando de novo empréstimo para motorista de aplicativo não traz tantas novidades assim. Apps como a Uber e a 99 já ofereciam linhas de crédito para os motoristas em seu próprio app através de convênios.
A 99 por exemplo oferece opção de crédito pessoal através da 99 Pay e de uma parceria com a Creditas no caso do empréstimo com garantia de veículo. Já a Uber, disponibiliza o empréstimo pessoal para os motoristas em parceria com a Digio, com juros a partir de 2,9% a.m.
O diferencial prometido aqui é a facilidade do acesso ao crédito e a praticidade no pagamento. Com a nova lei, a comprovação de renda dos motoristas tende a ficar mais fácil. E o repasse automático, funciona como uma garantia a mais, deixando taxas mais baixas nos bancos e financeiras. Mas isso é tudo especulação, já que na prática ainda não vimos nenhuma mudança concreta.
Como fazer empréstimo do governo para motorista de aplicativo?
O empréstimo consignado para motorista de aplicativo ainda está em fase de implementação, mas o que se sabe até agora é que a contratação precisa ser feita diretamente com os bancos. E para que seja feito o desconto no repasse, o motorista precisa receber os valores da corrida em uma conta definida em conjunto com o banco ou financeira.
Aqui está uma diferença importante em relação ao processo dos trabalhadores CLT. Enquanto quem tem carteira assinada faz o pedido pela Carteira de Trabalho e pode participar de uma espécie de “leilão” de taxas, escolhendo a menor entre as ofertas disponíveis, no caso do motorista, ao contratar diretamente com o banco que deve ter convênio com o app, as opções de negociação ficam mais restritas.
E quem trabalha com mais de um app?
A Lei também permite que os apps fechem parcerias e convênios entre si, podendo centralizar todo recebimento em uma única conta. Quer saber como isso funciona na prática?
Vamos supor que Marcelo é motorista de app e faz corridas com a 99 e com a Uber. No nosso cenário fictício, ambas as empresas firmaram um convênio com o Banco do Brasil. Então, Marcelo vai até o BB e solicita o empréstimo pessoal consignado para motorista de aplicativo, após comprovar renda e ser aprovado, ele passa a receber o valor de todas as corridas na sua conta no BB, que ele abriu só pra isso. Mas, todo mês o repasse vem menor, afinal ele está pagando as parcelas do empréstimo.
Ah, e só depois que terminar de pagar, você pode mudar a conta de recebimento. Parece fácil e vantajoso, mas os contornos e desdobramentos dessa medida ainda estão por vir. Afinal, nenhum app anunciou convênio com bancos e financeiras além das que existiam (Uber e Digio, 99 e Creditas). Então se você é motorista, só resta esperar e pesquisar para encontrar a melhor opção.
Riscos e cuidados antes de contratar um empréstimo
Antes de contratar qualquer empréstimo pessoal é preciso cautela. O empréstimo para motorista de aplicativo pode virar armadilha se for usado sem planejamento.
Impacto na renda mensal
Com um desconto automático, o motorista pode sentir no bolso imediatamente. Uma parcela de R$500, por exemplo, significa menos dinheiro disponível para abastecimento, manutenção do carro ou despesas pessoais.
Risco de endividamento automático
No consignado, não há atraso ou esquecimento: a cobrança é certa. Se o motorista fizer um empréstimo maior do que pode pagar, terá dificuldades para fechar as contas no fim do mês.
E se o motorista parar de rodar?
Outra questão importante: o que acontece se o motorista ficar doente, sofrer um acidente ou decidir deixar de trabalhar nos aplicativos? O empréstimo não desaparece. O banco continuará cobrando, e a dívida pode virar um problema maior.
Conclusão: promessa de alívio ou mais uma armadilha do governo?
O novo empréstimo consignado para motorista de aplicativo chega num momento em que esse grupo de profissionais só aumenta. Dados recentes mostram que entre 2022 e 2024 o número de motoristas de apps no Brasil saltou 35%, chegando a cerca de 1,72 milhão só no transporte de passageiros. E por isso mesmo, deve ser visto com atenção.
Na prática, o barulho foi maior do que a entrega. O consignado não trouxe nenhuma mudança estrutural: os motoristas continuam sem direitos garantidos, expostos à insegurança e reféns de tarifas cada vez menores. O que o governo vendeu como novidade soa mais como propaganda, já que, na vida real, pouco ou nada muda no bolso de quem depende dos apps para sobreviver. Falta transparência sobre os reais impactos da medida e sobra dependência de plataformas que ditam as regras. Se era para dar mais dignidade, até agora o efeito é apenas empurrar os motoristas para mais uma forma de dívida.