
“Calço, terna, saio, camiseto, vestida, cueco, bluso
Meio, sandálio, calcinho, cinta, sapata, casaca, luvo
[…] Liberal gerou”
(Arnaldo Antunes, “Macha, fêmeo”)
No último domingo de 2014, estive na Feira de Artesanato do centro de BH. Uma das primeiras coisas que ouvi foi um expositor negociando com uma cliente: “Pagando em dinheiro é R$ 10. No cartão é R$ 13”.
A lei diz que não é permitida a diferenciação de preços para pagamento em dinheiro ou com cartão, mas essa determinação tem sido cada vez mais desrespeitada. Antes, apenas pequenos comerciantes, geralmente no interior ou nos shopping centers populares, concediam descontos para pagamento em dinheiro. Agora vemos esta prática em cada vez mais – e mais sofisticados – estabelecimentos.
O que diz a lei sobre diferenciação de preços?
Em agosto de 2014, o Senado aprovou um projeto que permite a diferenciação dos preços. Desde então, não vi nenhuma notícia mais nova sobre o tema, então creio que o projeto esteja parado na Câmara. Eu não sou adepto do pensamento econômico liberal – acho que o Estado deve intervir na economia para evitar a concentração de renda e a formação de oligopólios –, mas, neste caso, considero que a desregulamentação joga a favor do consumidor.
Afinal, a vantagem financeira possivelmente fará com que menos compras sejam feitas usando o cartão, o que pode levar as operadoras a diminuírem as taxas cobradas dos comerciantes. Com isso, no médio prazo, os preços para pagamento com cartão tenderiam a cair, reequilibrando-se com os preços do pagamento em dinheiro. Ok, este é um pensamento liberal tão redondinho que chega a ser ingênuo – meus amigos antiliberais que me perdoem.
Para ilustrar, vamos a um exemplo prático. Suponhamos que um consumidor tenha um dinheirinho guardado na poupança e deseje comprar um celular. A poupança rende 0,5% ao mês. Nesse cenário, se ele pensa em comprar com cartão, pagando de uma só vez, 30 dias depois da compra, um desconto de 0,6% para pagamento em dinheiro já tornaria vantajoso que ele fizesse um saque na poupança e comprasse à vista. Além disso, se optar por parcelar em 6 vezes, um desconto de 2% já compensaria tirar o dinheiro da poupança. E o que vemos no comércio são descontos ainda mais atraentes. Portanto, é possível afirmar que quase sempre o desconto para pagamento em dinheiro é vantajoso.
Conclusão: o cartão de crédito ainda vale a pena?
Outro ponto importante se refere às restrições a vendas com cartão. Quem fuma sabe que muitos estabelecimentos só vendem cigarros com pagamento em dinheiro. Essa prática é considerada abusiva pelo Procon e tem gerado multas aos comerciantes. Ainda assim, sou contra esse tipo de proibição, e pelo mesmo motivo. Acho que a lei atual joga a favor das operadoras. Portanto, permitir que os comerciantes se recusem a vender certos produtos com cartão, ou que estabeleçam limites mínimos para as vendas, pode fazer com que as operadoras se mexam.
Da minha parte, utilizo muito meu cartão de crédito. Como controlo meus gastos e não levo sustos com a fatura, acho que o cartão só tem vantagens, como o prazo, a segurança, a praticidade e a riqueza nas informações sobre meu consumo. No entanto, caso torne-se realidade a permissão dos descontos para pagamento em dinheiro, o cartão passa a ter uma grave desvantagem: o preço. Nesse caso, não terei dúvida: passarei a usar mais o dinheiro.