
Se você tem a sensação de que todo mundo agora sabe investir, o relatório Finfluence explica o porquê. O estudo da Anbima mostra um ecossistema cada vez maior, mais profissional e mais barulhento de influenciadores financeiros disputando atenção, likes e autoridade.
O problema é que educação financeira não cresce na mesma velocidade que o entretenimento financeiro. E o relatório deixa isso implícito o tempo todo, mesmo quando tenta manter um tom institucional.
O Brasil não virou um país mais rico, mas virou um país onde todo mundo tem uma opinião forte sobre CDB, ações, fundos imobiliários e o que você está fazendo errado com seu dinheiro.
803 influenciadores financeiros ativos e um mercado que não para de crescer
O Finfluence aponta 803 influenciadores financeiros ativos, crescimento de 8,4% em apenas um semestre. Além disso, são 1.750 perfis monitorados (dentre eles apenas 803 com publicações e interações recentes), ou seja, tem muita gente que tentou, mas desistiu no caminho.
Isso significa que existe hoje um mercado inteiro dedicado a falar de dinheiro para quem tem pouco dinheiro, pouco tempo e pouca paciência para estudar conceitos técnicos. Ou para quem tem dinheiro e não sabe o que fazer com ele… quem me dera!
O crescimento não acontece porque o brasileiro virou investidor profissional. Acontece porque falar de dinheiro dá audiência, engajamento e monetização. Educação financeira virou produto de conteúdo, e não necessariamente de formação.
287,8 milhões de seguidores não significam 287,8 milhões de investidores
O relatório destaca uma audiência total de 287,8 milhões de seguidores. O número impressiona, mas precisa ser lido com cuidado.
Isso não significa pessoas únicas. Uma mesma pessoa segue vários perfis, em várias plataformas, consumindo versões diferentes da mesma opinião. O resultado é um excesso de informação que mais confunde do que esclarece, então o investidor inicial tem que saber filtrar o que tá sendo útil ou não.
YouTube virou sala de aula e o problema é quem escolhe o professor
O Finfluence confirma algo óbvio. O YouTube é a principal plataforma da educação financeira brasileira. Crescimento de seguidores, de vídeos e de engajamento mostram que o sofá virou carteira escolar.
O problema não é aprender pelo YouTube. O problema é não saber distinguir ensino de entretenimento.
Vídeos longos, títulos apelativos e promessas vagas performam melhor do que explicações chatas, técnicas e responsáveis. O algoritmo não premia quem ensina bem. Premia quem prende atenção.
Engajamento recorde não é sinônimo de qualidade
Foram mais de 1,18 bilhão de interações no semestre. Likes, comentários, compartilhamentos. Tudo isso mostra interesse, mas também revela um problema clássico.
Quanto mais engajamento, maior a tentação de exagerar. Criar medo, urgência ou sensação de exclusividade vira estratégia padrão. “Compre agora”, “faça isso antes que seja tarde”, “ninguém está te contando isso”.
O relatório mostra menos criptomania e mais “pé no chão”, mas com ressalvas
Um ponto positivo do Finfluence é mostrar que os temas mais engajados estão ficando mais conservadores. Diversificação, renda fixa, planejamento e novos produtos aparecem mais do que promessas mágicas.
Isso indica algum amadurecimento do público. Mas não significa necessariamente aprofundamento. Muitas vezes, o discurso é conservador na forma e raso no conteúdo.
Explicar renda fixa não é repetir que “é seguro”. Explicar diversificação não é listar produtos. Educação exige enteder o contexto, risco, prazo e objetivo. Nem sempre isso aparece.
Como falar sobre Educação Financeira?
Explicar renda fixa não é repetir que “é seguro”. É mostrar quanto rende de verdade, como funciona a tributação, o que muda com o prazo, quais riscos existem e em que situação aquele investimento faz sentido. Do mesmo jeito, explicar diversificação não é listar produtos como se fosse cardápio. É explicar por que misturar ativos reduz risco, como correlação funciona na prática e por que diversificar mal pode ser tão ruim quanto não diversificar.
Educação financeira começa quando o conteúdo ajuda a pessoa a decidir melhor, não quando apenas confirma que ela está “no caminho certo”. Isso exige contexto, objetivo, horizonte de tempo e, principalmente, deixar claro que não existe investimento bom ou ruim fora da realidade de quem investe. Quando esses elementos não aparecem, o conteúdo até parece responsável, mas continua raso.
Certificações entram no jogo, mas tarde demais
Pela primeira vez, o Finfluence passa a mapear certificações profissionais. CNPI, CFP, CPA, CEA. É um avanço importante, mas também um atraso histórico.
Durante anos, influenciadores fizeram recomendações disfarçadas de opinião sem qualquer filtro técnico. Agora, pelo menos, fica mais fácil distinguir quem estudou de quem apenas performa confiança.
O problema é que o relatório ainda não traz essa informação de forma clara e pública perfil por perfil. O investidor continua tendo que confiar mais na narrativa do influenciador do que em um selo visível.
Fama e qualificação continuam andando separadas
O relatório deixa uma verdade desconfortável implícita. Os perfis mais famosos não são, necessariamente, os mais qualificados tecnicamente.
Existem criadores com certificação falando para audiências pequenas, enquanto perfis gigantes seguem sem nenhuma formação formal reconhecida. Isso não é ilegal, mas é arriscado para quem consome.
- Thiago Godoy (Papai Financeiro) – possui CFP, certificação internacional voltada a planejamento financeiro. Conteúdo mais técnico, menos viral.
- Gustavo Cerbasi – também CFP, referência antiga em educação financeira, mas hoje com alcance digital menor do que perfis mais “show”, apesar de estar no relatório finfluence.
- Tiago Reis (Suno Research) – CNPI, certificação exigida para analistas de valores mobiliários. Conteúdo focado em análise, menos entretenimento.
- Analistas ligados a casas de research independentes – muitos com CNPI, falando para públicos nichados e menores.
O risco não está em ouvir opinião. Está em confundir opinião com orientação financeira.
Diversidade de público cresce, mas isso aumenta a responsabilidade
O Finfluence mostra que o público é cada vez mais diverso. Jovens, pessoas mais velhas, iniciantes completos e curiosos ocasionais.
Isso é positivo, mas exige cuidado redobrado. O mesmo conteúdo impacta pessoas com rendas, objetivos e perfil de risco completamente diferentes.
Uma dica mal contextualizada pode custar pouco para quem tem patrimônio, mas muito para quem vive no limite do orçamento.
A fila dos novos finfluencers só aumenta
Mesmo com 1.750 perfis monitorados, a Anbima admite que muitos criadores relevantes ficaram de fora. Isso significa que o mercado ainda está em expansão.
Mais criadores, mais competição por atenção e mais incentivo a exagero. O ciclo é conhecido. Quando o conteúdo vira produto, a linha entre informar e vender fica cada vez mais borrada.
O investidor continua com medo e isso não é coincidência
Mesmo com mais conteúdo, mais vídeos e mais explicações, o investidor médio continua inseguro. Medo do imposto de renda, medo de errar, medo de perder dinheiro.
O excesso de informação não está gerando tranquilidade. Está gerando paralisia.
Isso é um sinal claro de que educação financeira não é volume de conteúdo, mas clareza, responsabilidade e limite.
O lado B da finfluência que o relatório não grita
O Finfluence descreve crescimento, profissionalização e diversidade. Mas não entra fundo no conflito de interesse.
Muitos influenciadores ganham dinheiro vendendo cursos, afiliados, corretoras, produtos financeiros e promessas de autonomia que raramente se sustentam.
Quando a renda do educador depende do clique, a educação vira secundária.
Quem domina o ranking da Anbima?
O Finfluence não aponta apenas tendências. Ele também mostra quem são os nomes que concentram atenção, alcance e influência no debate financeiro brasileiro. Estes influenciadores aparecem de forma recorrente nos rankings da Anbima como os mais relevantes em audiência e engajamento:
- Economista Sincero
- Bruno Perini (Você Mais Rico)
- Tiago Guitián Reis
- Nathalia Arcuri (Me Poupe!)
- Thiago Godoy (Papai Financeiro)
- Renato Breia
- Investidor Sardinha
- Thiago Nigro (O Primo Rico)
- Gustavo Cerbasi
Essa lista ajuda a entender o tamanho do fenômeno. São perfis que falam com milhões de pessoas, moldam percepções sobre risco, retorno e “jeito certo” de investir, e muitas vezes funcionam como principal fonte de aprendizado financeiro para quem está começando.
O ponto crítico é que o ranking mede influência, não necessariamente qualificação técnica. Estar nessa lista não significa estar errado, nem certo. Significa ter poder. E, em educação financeira, poder sem contexto pode virar ruído.
Influenciador financeiro não é vilão, mas também não é salvador
O relatório mostra um mercado que veio para ficar. Influenciadores são porta de entrada para educação financeira. Isso é fato.
Mas a porta de entrada não é uma formação completa. O risco é achar que assistir vídeos substitui a prática, planejamento e reflexão crítica.
Conclusão: mais conteúdo não significa mais educação
O crescimento do Finfluence, em si, não é um problema. Mais influenciadores falando de dinheiro é melhor do que menos. O tema ganha espaço, produtos são comparados e o debate se amplia. Isso é positivo.
O ponto fraco está no entorno. A atuação de associações e reguladores, como Anbima e CVM, ainda é tímida diante da financeirização do país. O relatório analisa, mede e classifica, mas não gera consequência prática. Não deixa claro quem tem certificação, não orienta o leitor e não cria filtros objetivos. No fim, a pergunta permanece: depois de tanta análise, o que muda para quem consome esse conteúdo? Pouco ou nada.
E a tendência é de crescimento contínuo. Quanto maior o nicho, mais intensa vira a disputa por atenção, o que empurra parte do conteúdo para o apelo fácil e para simplificações excessivas.
Sem um “adulto na sala” capaz de regular tudo isso, sobra o caminho possível: responsabilidade individual. Aproveitar o acesso à informação, mas também selecionar fontes, desconfiar de promessas simples, checar dados e entender riscos.
No fim, o Finfluence diz menos sobre quem produz e mais sobre quem consome. Porque, enquanto não houver filtros claros, o principal mecanismo de proteção ainda é o senso crítico, e esse não vem ativado por padrão.