As milhas surgiram como uma espécie de “mimo” para quem viajava com frequência. Era uma troca simples: você viajava, acumulava pontos e, em algum momento, ganhava o direito de viajar de novo. Esse modelo mais ingênuo durou pouco. De lá para cá, os programas se sofisticaram, cresceram, criaram regras próprias e se transformaram em um ecossistema que mistura economia, comportamento e um pouco de marketing psicológico. O resultado é que o que deveria ser um benefício se tornou, para muita gente, uma fonte de ansiedade.
Hoje, os programas de fidelidade movimentam bilhões de dólares no mundo inteiro. São tantos participantes, com tantas contas espalhadas por tantos programas, que boa parte acumula milhas sem nunca usá-las. Metade das pessoas, segundo estimativas do próprio mercado, deixa as recompensas paradas até expirar. E quando usa, muitas vezes usa mal, resgatando por valores mais altos do que pagaria em dinheiro.
Mas isso não significa que milhas não prestam. Elas servem, sim. Só que servem melhor para quem entende minimamente como funcionam. E é aqui que muita gente se perde. Não porque é difícil, mas porque ninguém explica direito. A promessa é sempre sedutora: “Viaje de graça”. A realidade, nem tanto.
O que são milhas e por que elas mudam de valor o tempo todo
Milhas são uma moeda criada por companhias aéreas, bancos e programas de fidelidade. Só que, ao contrário de moedas de verdade, elas não têm valor fixo. Elas valem o que o programa decide que valem naquele momento. Isso quer dizer que uma milha pode estar “cara” hoje e “barata” amanhã. E isso gera uma dificuldade real. É preciso avaliar cada resgate como se fosse uma pequena compra.
Se a passagem custa mil reais e também pode ser emitida por vinte mil milhas, você paga o equivalente a cinco centavos por milha. Se outro trecho custa mil reais e pede quarenta mil milhas, cada milha vale apenas dois centavos. É a mesma moeda, mas com valores diferentes. E é exatamente por isso que tanta gente perde dinheiro sem perceber, troca muitos pontos por pouca vantagem.
A confusão aumenta porque existem várias formas de acumular milhas, voando, gastando no cartão, assinando clubes, comprando milhas, participando de promoções relâmpago e até aproveitando bônus de transferência. Só que nenhuma dessas estratégias funciona se você não souber para quê está acumulando. Milhas não são uma poupança automática. São um meio para um fim. Sem clareza de objetivo, viram só números no aplicativo esperando a data de validade.
Como acumular milhas sem cair na armadilha de gastar mais
O erro mais comum de quem começa no universo das milhas é achar que precisa gastar mais para acumular. Mas essa lógica funciona bem para o banco, não para você. Milhas deveriam aparecer na sua vida como consequência natural do seu consumo. Nunca como justificativa para ele. Quando você muda seu comportamento de compra para pontuar mais, já começa a perder.
O jeito mais inteligente de acumular milhas passa por um princípio simples: concentre os gastos que você já faria em um cartão que pontue acima da média e pague sempre a fatura integral. Parece óbvio, mas muita gente entra no rotativo tentando “bater meta” de acúmulo, uma troca que nunca compensa, porque os juros do cartão destroem qualquer vantagem.
Além disso, existe a questão das transferências. As campanhas que prometem bônus de 60%, 100% ou até 120% são tentadoras, mas só fazem sentido quando você já tem um plano claro de resgate. Transferir sem objetivo é como comprar moeda estrangeira sem saber para onde vai viajar. Pode funcionar, mas geralmente não funciona. A falta de intenção leva ao acúmulo desordenado, ao risco de expiração e, no fim, ao desperdício.
O cartão certo muda tudo mas “o melhor cartão” depende do seu perfil
O cartão de crédito é a porta de entrada do jogo das milhas. Só que existe um mito perigoso. O melhor cartão seria aquele que pontua mais? Não necessariamente. Muitos cartões Black e Infinite pontuam muito bem, mas cobram anuidades extremamente altas que só compensam para quem realmente usa todos os benefícios associados: seguros, upgrades, salas VIP, proteções de viagem, concierge e por aí vai.
Para grande parte das pessoas, o cartão que faz sentido é outro, um que oferece boa pontuação por dólar, mas tem anuidade baixa (ou negociável), além de condições claras para isenção. Um cartão “poderoso” demais para um perfil de gasto pequeno acaba sendo mais custo do que benefício. Por isso, antes de pedir um cartão pelo status, vale olhar para sua vida real, quanto você gasta, quanto consegue concentrar no cartão e qual é o retorno real que aquela pontuação vai gerar ao longo do ano.
É aqui também que começa a comparação com o cashback.
Milhas x Cashback: qual vale mais a pena de verdade?
Essa pergunta parece simples, mas a verdade é que milhas funcionam bem para um tipo de pessoa, e cashback funciona melhor para outro. Não existe um campeão universal.
O cashback tem um charme próprio: ele é previsível. Não depende de promoções, não expira e não desvaloriza. Se o cartão promete 1% de volta, é isso que você vai receber, ponto final. Para quem gosta de simplicidade, o cashback costuma ser a opção mais racional, porque evita surpresas desagradáveis.
Já as milhas podem gerar retornos mais altos, especialmente para quem viaja com frequência e consegue aproveitar bons resgates. Mas isso exige atenção, no universo das milhas, nada é garantido. O valor da passagem pode mudar, a disponibilidade pode sumir e a promoção que parecia incrível pode não valer a pena no fim das contas.
Existe até uma regra prática: milhas só compensam quando você consegue resgates acima de três centavos por milha. Abaixo disso, o cashback tende a ser mais vantajoso. Se você nunca parou para fazer essa conta, provavelmente já perdeu dinheiro sem perceber.
É seguro vender milhas? Como funciona essa história?
A venda de milhas é uma alternativa real para quem acumula pontos, mas não viaja ou não quer lidar com toda a mecânica dos resgates. Hoje existem empresas especializadas que compram suas milhas por um valor fixo e revendem para terceiros. É uma forma prática de evitar expiração e ainda colocar algum dinheiro no bolso.
Mas tem um detalhe importante que muita gente esquece: clientes Bradesco podem vender pontos Livelo diretamente para a própria Livelo. Nesse modelo, você elimina o risco de ter de lidar com intermediários como MaxMilhas e outras plataformas do mercado. É mais simples, mais estável e com muito menos dor de cabeça.
Mas a venda de milhas não é completamente livre de riscos. Primeiro, porque existem plataformas sérias e plataformas pouco confiáveis. Segundo, porque os valores pagos pelo milheiro oscilam muito. Terceiro, porque o pagamento pode atrasar em algumas empresas. E por fim, porque, se você vender constantemente, isso pode entrar no radar do Imposto de Renda. Não é algo ilegal, mas precisa ser tratado como rendimento.
Ainda assim, para quem tem pontos espalhados por vários programas, sem uso planejado, vender pode ser muito mais inteligente do que deixar expirar.
Planejar é a parte que ninguém conta, e é também onde está o maior ganho
Quando as pessoas dizem que “milhas não funcionam”, normalmente não é por causa do programa, do cartão ou da companhia aérea, mas por falta de planejamento. Primeiro você define o que quer. Depois, começa a acumular. Mas na prática, o processo se inverte e as pessoas acumulam sem intenção e só depois tentam descobrir para quê servem as milhas.
Isso cria um ciclo de frustração. Pontos que expiram, promoções perdidas, resgates ruins, decisões impulsivas e uma sensação permanente de que “não dá para entender esse negócio”.
O planejamento não precisa ser complicado. Basta decidir antes: você quer viajar? Quer vender? Reservar para uma viagem anual em família? Economizar em trechos específicos? Apenas com esse mínimo de clareza, seu uso de milhas já melhora drasticamente.
A nova geração não tem paciência, e isso está mudando o mercado
Enquanto muita gente ainda está tentando decifrar regras e tabelas que mudam sem aviso, a nova geração simplesmente não quer ter esse trabalho. Millennials e Gen Z preferem modelos que entregam valor rápido e claro. Por isso, têm aderido com força a cartões com cashback automático, contas digitais que transformam gasto em investimento e programas que oferecem recompensas transparentes.
O mercado percebeu isso e começou a mudar. Cada vez mais bancos e fintechs oferecem alternativas que fogem da lógica antiga das milhas: programas híbridos, descontos diretos, retornos instantâneos e até preços menores para quem paga pelo app. As milhas continuam relevantes, mas estão perdendo espaço para modelos que pedem menos esforço mental do consumidor. E o trem ficou tão complicado que já tem gente vendendo até curso sobre o assunto, tanto que a gente gravou um episódio com o Rodrigo Góes sobre isso.
Conclusão: vale a pena usar milhas, afinal?
Milhas valem a pena para quem sabe o que quer fazer com elas. Vale para quem gosta de viajar, tem paciência para pesquisar e entende que bons resgates dependem de timing.
Vale para quem vê vantagem em analisar valor por milha e aproveitar promoções planejadas.Para quem prefere simplicidade, cashback geralmente é mais honesto. Ele devolve parte do que você gasta sem surpresas, algo que, no dia a dia, faz muita diferença no controle financeiro.
No fim das contas, a melhor escolha é aquela que mantém seu dinheiro no seu bolso. Milhas são um bônus. Cashback também. Mas nenhum deles vale mais do que uma vida financeira equilibrada. Porque, entre pontos acumulados e saldo no azul, a melhor recompensa é sempre a segunda.