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O Brasil está afogado em dívidas: 60 milhões de negativados e contando

O salário mal cai na conta e o dinheiro já tem destino certo: aluguel, cartão, água, luz, internet. Quando o mês ainda está na metade, vem a pergunta: “onde foi parar meu dinheiro?”. A resposta está nas estatísticas: segundo a Equifax BoaVista, 60 milhões de brasileiros estão com o nome sujo. É o maior número desde a pandemia e representa mais de um terço da população em idade de trabalhar.

A inadimplência, antes um problema individual, virou um fenômeno coletivo. Está em todas as classes, regiões e idades. E o mais preocupante: o país parece ter se acostumado a conviver com ela. Para muita gente, dever já faz parte da rotina, como se o crédito fosse um direito automático e a fatura, um detalhe do futuro.

Como a inadimplência tomou essa proporção? 

Os números mostram que o quadro piorou rapidamente. Em relação a 2023, houve um aumento de 5,5% no total de negativados, e a alta chega a 10,8% em comparação com o mesmo período do ano passado. A BoaVista também registrou 169,5 milhões de novas negativações só no primeiro semestre de 2025.

O Banco Central confirma a tendência: a inadimplência média no crédito livre atingiu 6,2% em junho, e o IBEVAR-FIA Business School projeta que o índice chegue a 7,1% até dezembro, o maior patamar desde 2020. O endividamento cresceu junto com o custo de vida, e o crédito, que deveria ser uma solução, virou parte do problema.

O brasileiro não está pegando empréstimo para realizar sonhos, mas para pagar contas. Só nos primeiros seis meses de 2025, foram 450 milhões de pedidos de crédito, segundo o BoaVista, um aumento de 160% em relação ao ano passado.

O problema não é o boleto: são os juros

O juro brasileiro é uma história à parte. É o tipo de número que assusta até o economista. No rotativo do cartão de crédito, ele ultrapassa 400% ao ano e não, isso não é erro de digitação. 

Mesmo quando o banco oferece “soluções”, elas raramente aliviam o peso. Refinanciar a dívida do cartão com um empréstimo pessoal pode parecer um bom negócio, mas muitas vezes só muda o nome do problema. O brasileiro acaba trocando uma dívida de 400% por outra de 100%, e ainda se sente vitorioso, claro que trocando uma dívida cara por outra “menos cara” você sai na vantagem, mas ainda sim não dá pra ignorar que os juros são extremamente altos.

74% da renda comprometida com dívidas

Os dados da BoaVista mostram que 74% da renda média do brasileiro está comprometida com o pagamento de dívidas. É como se três quartos do salário já estivessem reservados antes mesmo de cair na conta.

Essa realidade se repete em praticamente todas as regiões: 74,9% no Centro-Oeste, 69,3% no Norte, 67,2% no Sul. Em outras palavras, o país inteiro está pendurado. E com o orçamento estrangulado, qualquer imprevisto, uma doença, a perda do emprego, o aumento do aluguel, é suficiente para empurrar o consumidor para o vermelho.

O mais cruel é que o brasileiro paga caro e recebe pouco. Enquanto os bancos registram lucros bilionários, a renda real das famílias cresce a passos lentos. O resultado é um desequilíbrio estrutural: crédito fácil, juros altos e inadimplência previsível.

O crédito que virou armadilha

Na teoria, o crédito é um facilitador. Ele deveria permitir que o consumidor realizasse um objetivo de longo prazo, comprar uma casa, investir em um negócio, estudar. Mas, na prática, o crédito virou muleta. Em vez de financiar sonhos, financia o cotidiano.

De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o percentual de famílias com contas em atraso atingiu 30,4%, o maior índice desde 2010. E o número de famílias com contas a vencer subiu para 78,5%, o maior desde novembro de 2022. Ou seja: o brasileiro está vivendo no limite.

Isso mostra que o problema é mais profundo. O crédito não está faltando, está mal distribuído e mal usado. Quando se toma empréstimo para pagar outro, o ciclo se retroalimenta. E enquanto isso, o score de crédito despenca.

O score no chão e a reputação financeira em jogo

O score de crédito médio no Brasil é 531 pontos, numa escala que vai até mil. Isso coloca o país na faixa intermediária, mas, considerando o cenário atual, significa que boa parte da população tem dificuldade para conseguir crédito novo.

O score é um reflexo do comportamento financeiro. Ele leva em conta não apenas as dívidas, mas também o histórico de pagamentos de contas básicas como água, luz, celular e aluguel. O sistema, em tese, recompensa quem paga em dia. Mas também pune quem tenta demais: pedir crédito várias vezes em sequência faz o score cair, mesmo que o pedido não seja aprovado.

É o ciclo da desconfiança. O consumidor tenta conseguir um empréstimo, o banco percebe o desespero e fecha a porta. Sem acesso ao crédito formal, o cidadão acaba recorrendo a alternativas mais caras, como o cheque especial e o rotativo do cartão, e aí o desastre está feito.

O ciclo da inadimplência

A inadimplência segue um roteiro conhecido. Primeiro, o consumidor se endivida para cobrir uma necessidade imediata, pagar o conserto do carro, comprar remédio, fazer uma compra maior. Depois, começa a rolar a dívida, pagando o mínimo do cartão. Em pouco tempo, o saldo cresce exponencialmente.

Quando o banco oferece um empréstimo pessoal, ele aceita para “quitar tudo de uma vez”. O problema é que o novo compromisso compromete ainda mais o orçamento mensal. O que era um problema pontual vira um estilo de vida.

A inadimplência, portanto, não nasce da irresponsabilidade. Ela nasce da falta de fôlego, e de alternativas. Num país com juros de três dígitos e renda concentrada, dever é quase inevitável.

Os bancos seguem lucrando

A concentração bancária no Brasil é um dos grandes vilões dessa história. Com poucos players dominando o mercado, a concorrência é limitada. E mesmo com as fintechs e os bancos digitais, o peso das grandes instituições ainda é enorme.

Enquanto o consumidor tenta negociar dívidas, os bancos registram lucros recordes. A inadimplência alta não é um problema para eles, é parte do modelo de negócio. Juros altos compensam calotes eventuais e garantem rentabilidade.

Crédito virou armadilha e agora?

A primeira reação diante de uma dívida é o desespero. A segunda, o impulso de resolvê-la rápido. Mas renegociar sem entender o contrato é o erro mais comum.

A Serasa e o programa Desenrola Brasil oferecem condições vantajosas, mas é preciso ler as letras miúdas. Trocar uma dívida de 10 mil para outra de 7 mil pode parecer um bom negócio, até perceber que a dívida original era de 2 mil por exemplo. Você está renegociando com 30% de desconto mas ainda está pagando 3,5x o montante original…

Renegociar é importante, mas planejar é indispensável. É preciso saber quanto da renda está comprometida e quanto realmente é possível pagar. E, acima de tudo, é preciso entender o mecanismo dos juros compostos, o verdadeiro vilão das finanças pessoais.

Como disse o CEO da BoaVista, “a maioria das pessoas no Brasil ainda não sabe a diferença entre juros simples e compostos”. E é essa ignorância que mantém o sistema girando.

Juros simples são calculados sempre sobre o valor inicial da dívida, então crescem de forma linear. Já juros compostos são cobrados sobre o valor atualizado, ou seja, “juros sobre juros”, fazendo a dívida crescer cada vez mais rápido, e é por isso que atrasar ou alongar o prazo pode custar muito caro.

O impacto na vida real

Por trás de cada número há uma história. A de Ana, por exemplo, poderia ser a de milhões de brasileiros. Ela comprou um celular novo, parcelou em 12 vezes e, no meio do caminho, perdeu o emprego. Para não atrasar a fatura, pagou o mínimo. Alguns meses depois, a dívida dobrou. Quando conseguiu um novo trabalho, metade do salário já estava comprometido com o cartão antigo.

A história é fictícia, mas muito familiar. O problema não está no consumo, mas na ilusão de que o crédito é uma extensão da renda. A falta de educação financeira transforma pequenos deslizes em grandes tragédias orçamentárias.

Por que a inadimplência deve continuar subindo

A pesquisa da FIA/IBEVAR aponta que a inadimplência nos empréstimos deve chegar a 7,1% até dezembro de 2025, e continuar subindo. O principal motivo é que o orçamento das famílias ainda está apertado. Mesmo com a inflação mais controlada, tudo segue caro, e o crédito barato quase não existe.

O varejo também está sentindo, as pessoas estão com medo de acabar se enrolando, então estão comprando menos, e cada vez mais parcelado. Do outro lado, os bancos ficam mais cautelosos e dificultam o acesso ao crédito. Com isso, quem mais precisa é justamente quem tem menos chance de conseguir.

No geral, a inadimplência do sistema financeiro deve ficar perto de 4,9%. O que puxa esse número para cima são as dívidas de curto prazo, com juros altos, como cartão e cheque especial. Quando a conta não fecha, a inadimplência vira consequência, não surpresa.

Mas dá pra virar o jogo

Apesar do cenário difícil, é possível sair do vermelho, mas não existe milagre. O caminho passa por renegociar com estratégia, reduzir o uso do crédito e mudar a mentalidade financeira.

O ideal é começar avaliando o tamanho da dívida e priorizando aquelas com juros mais altos. Plataformas como o Serasa Limpa Nome e o Desenrola Brasil ajudam a buscar descontos reais.

Também é fundamental romper com o mito do parcelamento sem juros. Ele é um dos principais culpados pelo descontrole financeiro. Mesmo quando a loja diz que “é sem juros”, o custo está embutido no preço, e o hábito de parcelar tudo dá uma falsa sensação de segurança.

Por fim, use as ferramentas certas. A Calculadora de Juros Compostos do Educando Seu Bolso, por exemplo, mostra quanto uma dívida cresce ao longo do tempo. Entender esse impacto é o primeiro passo para evitá-lo.

Conclusão: não é só sobre dívidas, é sobre autonomia

A inadimplência brasileira é mais que um número, é o retrato de um país que vive de crédito e sobrevive de parcelamento. Ela revela desigualdade, desinformação e um sistema financeiro que se beneficia da falta de educação financeira.

O problema não é o brasileiro querer consumir, é ele não entender o preço real de consumir no crédito. O salário pode até acompanhar o custo de vida mas enquanto você continuar usando parcelamento e limite de crédito como se fosse renda, o ciclo das dívidas vai continuar girando.

A boa notícia é que dá pra sair dele. Não é fácil, nem rápido, mas é possível. Requer paciência, planejamento e informação. Porque, no fim das contas, não é o cartão que te endivida, é a falta de clareza sobre como ele funciona.

No Brasil, onde parcelar é cultura, talvez o maior ato de liberdade financeira seja aprender a dizer: “até eu sair dessa lama, só pago à vista.”

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