
A história começa numa palestra de finanças. Daquelas cheias de termos em inglês e gente anotando “diversificação” como se fosse revelação divina. Até que um senhor de gravata e voz mansa pega o microfone e solta:
“Nosso fundo é diferente. A gente só investe em empresas que seguem os valores da Bíblia.”
A sala fez aquele silêncio desconfortável. Um rapaz engasgou com cafezinho. Uma moça na fileira da frente levantou a sobrancelha. E eu? Eu só pensei: será que a carteira tem ações de arca, maná e multiplicação de pães?
Parece piada, mas não é. Acredite: fundos “biblicamente responsáveis” estão crescendo. E não só nos cantos mais conservadores do mercado, mas entre investidores profissionais, startups brasileiras e até grandes gestoras internacionais.
O que são, afinal, esses investimentos “biblicamente responsáveis”?
O termo oficial é EBR (Empresas Biblicamente Responsáveis). Mas você pode chamar de investimento com “fé no CNPJ”. A ideia é simples: só colocar dinheiro em negócios que sigam, segundo quem investe, os valores tradicionais do cristianismo.
E o que isso significa na prática? Nada de empresas que apoiem aborto legal, casamento homoafetivo, legalização de drogas, pornografia ou qualquer coisa que seja “pecado” segundo determinada leitura bíblica. Por outro lado, são bem-vindas aquelas que defendem a família (a tradicional, claro), a filantropia cristã e os bons costumes.
É como se fosse um “ESG evangélico”, onde a régua ética é a Escritura.
Quem dá o selo “aprovado por Deus”?
Não existe um Vaticano dos investimentos. Nem uma auditoria do Espírito Santo. Cada fundo define seus próprios critérios, com total liberdade para incluir e excluir empresas de acordo com o que considera moralmente aceitável.
Nos Estados Unidos, o movimento é forte. O Timothy Plan, por exemplo, administra mais de US$30 bilhões com base nesses filtros. E faz pressão: já tentou forçar gigantes como Disney e Amazon a mudarem suas políticas de inclusão. Sim, o Mickey está na berlinda por não ser cristão o suficiente.
No Brasil, o negócio ainda engatinha. Mas já tem gente apostando no segmento. O Grupo Med+, do Distrito Federal, nasceu com esse DNA: promete retorno financeiro sem trair a Bíblia. Já a Quartzo Capital tem consultores que se consideram “com princípios cristãos”.
Se vai dar certo? Só Deus sabe.
E quem defende a diversidade? Tá fora?
A pergunta é séria: empresas premiadas por inclusão, como aquelas que ganham selos por defenderem diversidade sexual, de gênero ou religiosa, entram na carteira de quem investe com base na Bíblia?
Na maioria dos casos, não. Basta uma empresa apoiar a parada LGBT ou oferecer benefícios iguais para casais homoafetivos para ser cortada da lista. A mesma lógica vale para posicionamentos pró-aborto, parcerias com governos progressistas ou até campanhas publicitárias mais ousadas.
Ou seja, quanto mais diversa e inclusiva for a empresa, menor a chance de agradar esse investidor.
E tem mais: não são raros os fundos que também eliminam negócios envolvidos com países autoritários, armamento, corrupção e exploração de trabalho. Aí a régua começa a ficar confusa. Afinal, como lidar com políticos idolatrados por esse mesmo público, mesmo que envolvidos até o pescoço com escândalos?
Quero investir com fé. Por onde começo meus investimentos biblicamente responsáveis?
Primeiro: entenda que o mercado ainda está se organizando. Nos EUA, a estrutura já existe, com fundos, ETFs e até consultorias focadas nisso. Aqui, o movimento está mais restrito, mas já dá para encontrar carteiras recomendadas por influenciadores cristãos e plataformas com esse viés.
Exemplos? A Quartzo Capital e o Grupo Med+ são iniciativas brasileiras. Algumas igrejas evangélicas também já sugerem onde aplicar o dízimo, literalmente. E tem até comunidades no Instagram e TikTok de “investidores de fé”.
Só não vale cair no golpe da conversão de última hora: quando uma empresa resolve se “purificar” semanas antes de abrir capital. IPO (Oferta Pública Inicial) não é batismo.
O retorno também é abençoado?
Nem sempre. E aqui entra o alerta: restringir demais sua carteira pode te deixar longe dos melhores retornos.
Dados de um estudo da Faith-Based Investing Alliance mostram que, em média, carteiras com filtros “religiosos” renderam menos que carteiras livres entre 2010 e 2020. E não é pouco: uma diferença de até 1,4 ponto percentual ao ano.
Motivo? Ficar de fora de setores lucrativos como entretenimento, tecnologia, bebidas e apostas pode significar perder as maiores margens.
Exemplo real: a OnlyFans, aquela plataforma de conteúdo adulto que muita gente finge não conhecer, tem margem líquida superior a boa parte das big techs. E agora está prestes a ser vendida por bilhões. É o tipo de oportunidade que um investidor EBR jamais aceitaria. Porque, bem… a empresa fatura com “luxúria”.
E se der ruim? Quais os riscos?
O maior perigo não está no pecado, mas no preconceito. Porque investir com base na fé é uma escolha pessoal. Mas excluir empresas que promovem inclusão, direitos civis ou liberdade religiosa em nome de um “padrão moral” pode ser perigoso.
Não estamos mais falando de gestão de portfólio. Estamos falando de empurrar ideologia com força de mercado. E isso gera distorções.
Sem contar o risco de contradição. Afinal, o que dizer de empresas “limpinhas” que fazem lobby para políticos corruptos? Ou fundos que condenam pornografia, mas ignoram trabalho escravo em cadeias produtivas?
Investir com convicção é bom, mas com filtro seletivo demais, sua carteira pode virar um altar… de incoerência.

Dinheiro com propósitos biblicamente responsáveis? Sim, mas com juízo também
Ter valores é importante. Mas é bom lembrar que o mercado não tem religião, só preço.
Se sua fé te guia, ótimo. Mas que ela venha acompanhada de estudo, comparação de fundos, leitura de balanço e, por que não, uma pitada de ironia. Porque mesmo Moisés, com toda sua fé, se perdeu no deserto… imagina sua carteira.
Conclusão: entre o sagrado e o capital, fique com a lucidez
Investir com base na Bíblia pode até funcionar para você. Mas antes de trocar a planilha por provérbios, lembre-se: a fé não substitui estratégia. E o fundo “santo” também pode dar prejuízo.
Se você quer fazer o bem com seu dinheiro, que tal olhar para fundos que promovem justiça social, equidade racial, diversidade e preservação do planeta? No fim das contas, é melhor ter lucros com consciência do que prejuízo com sermão.